sábado, 27 de setembro de 2008

Sincretizado com os santos Cosme e Damião, Ibêji é celebrado neste sábado com o "caruru dos meninos'

Veja quais são as predileções alimentares dos orixás do candomblé
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Dizia Jorge Amado que os Ibêji, orixá duplo do candomblé sincretizado com os santos Cosme e Damião, são amigos da boa mesa da culinária baiana.Quando se observa a fartura do "caruru dos meninos", celebrado neste sábado, a gourmandise desse orixá fica evidente. Aos gêmeos protetores da infância oferenda-se caruru e também acarajé, abará, vatapá, xinxim de galinha, farofa, rapadura, cana-de-açúcar..."O candomblé é uma religião de antepassados. E, segundo as antigas tradições, quando se cultua os antepassados, oferece-se tudo que é necessário à vida, sobretudo comida e bebida", diz o sociólogo Reginaldo Prandi, professor aposentado da Universidade de São Paulo e autor de "Mitologias dos Orixás". "Cada orixá tem predileção por um alimento."No dia de Ibêji, o caruru (prato à base de quiabo, camarão seco e dendê) é oferecido ao orixá e depois a sete crianças, que o recebem em uma grande tigela. Quando terminam, só então os adultos são convidados a compartilhar o alimento."A comida é elo entre a comunidade e os ancentrais", diz o antropólogo Vilson Caetano de Sousa Júnior, professor da Uneb (Universidade do Estado da Bahia) e autor de "Banquete Sagrado", com publicação prevista para o final deste ano."Uma coisa é o cortado de quiabos, outra é a oferenda de caruru que se faz a Ibêji", diz. "Diferentemente da comida do dia-a-dia, a comida ritual, votiva, é preparada de acordo com preceitos que pressupõem da abstinência sexual à exigência de que o corpo esteja limpo."
Dos terreiros para a rua
Na Bahia, as promessas feitas a Ibêji, do termo iorubá para gêmeos, são pagas com um grande caruru e com a distribuição de doces e presentes para as crianças. O tamanho do prato é medido em quiabos: caruru de mil, de 5.000 quiabos."Com o tempo, a festa de Ibêji foi além dos terreiros. Atinge até quem não é do candomblé. Assim como a festa de 31 de dezembro, nas praias, era uma festa de terreiro para Iemanjá e hoje é de todos", diz Prandi.Um traço importante das comidas de orixá é o uso, quase onipresente, do dendê -quase porque há orixás que têm o ingrediente como um tabu alimentar, caso de Oxalá."A palmeira de dendê foi aclimatada ao Brasil para suprir a região de um óleo que é essencial nesta culinária sagrada", diz Prandi. "As comidas [de terreiro] nada mais eram que as comidas do dia-a-dia, que acabaram sendo trazidas para o Brasil pelo tráfico de escravos. Com a restauração da religião negra no Brasil, essas receitas se mantiveram vivas. Claro que sofreram adaptações, porque nem todos os ingredientes de lá estavam disponíveis aqui."A culinária sagrada, porém, não ficou limitada aos terreiros. "É certo que a culinária baiana saiu dos terreiros. O acarajé é uma comida sagrada que passou a ser vendida nas ruas de Salvador", diz o antropólogo Rodnei William Eugênio, autor do livro "Acaçá, Onde Tudo Começou - Histórias, Vivências e Receitas das Cozinhas de Candomblé". "Muitas mães-de-santo ganharam sua vida e muitas negras compraram sua alforria vendendo quitutes feitos nos terreiros."Para o professor da Uneb, os terreiros de candomblé preservaram as técnicas africanas. "No fundo, o sagrado come o que os homens comem", diz. "É extremamente positiva a popularização de tais comidas. Isso mostra o poder que a cultura de matriz africana teve de se disseminar, de se espalhar."
As iabassês e os tabus
A preparação das comidas de oferenda, chamadas de ebós, cabe a uma mulher, a Iabassê. "No candomblé, a cozinha é um templo, é um espaço sagrado e cheio de interdições", diz Eugênio. Oxalá, por exemplo, é um orixá cheio de tabus (leia no quadro à direita). Tem, por isso, uma cozinha exclusiva, onde não entram dendê nem sal."Os tabus são formas de criar a sua identidade através de uma exclusão", explica Prandi.

SP TAMBÉM TEM "CARURU DOS MENINOS' Em São Paulo, o dia de Ibêji pode não ser tão popular quanto é em Salvador. Ainda assim, a festa não passará despercebida. Domingo, a partir das 14h, o terreiro Ilê Alaketu Axé Airá, em São Bernardo do Campo (r. Antonio Batistini, 226, Batistini, tel. 0/ xx/11/ 4347-0134), fará uma festa para os gêmeos. Capitaneado por pai Pércio de Xangô, o "caruru dos meninos" é aberto ao público -a doação de doces, brinquedos e bexigas é bem-vinda.No Soteropolitano (tel. 0/ xx/11/3034-4881), na Vila Madalena, a tradição do caruru se mantém há 13 anos e volta a acontecer neste sábado. "Apesar de eu não participar do candomblé, está no sangue", brinca Júlio Valverde, dono do restaurante.

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