Neste volume 32, há autores já experientes e outros estreantes, de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Brasília, Pernambuco e Rio Grande do Sul, formando um mosaico da escrita afro ao longo do tempo e pelo país. Os contos passeiam por temas e estilos variados, indo da ironia ao drama, havendo inclusive textos curtos que flertam com a poesia, como os de Débora Almeida, Fátima Trinchão, José Luanga e Hélio Penna, por exemplo.
No que se refere a mexer com o leitor, um dos contos que chama a atenção é o de Sergio Ballouk, que, a partir dos questionamentos de uma criança, apresenta uma reflexão sobre participação política, eleição, temas muito atuais neste ano de 2010, e que merecem um olhar mais demorado. O conto é escrito com leveza, com pitadas de ironia, o que o torna gostoso de ser lido mas não lhe tira o potencial crítico nem a capacidade de nos levar a pensar sobre o assunto que aborda.
Tal também é a situação do conto de Sidney de Paula, que, a partir de enumeração de ícones da música negra dos anos 70, nos embala na viagem nostálgica do seu personagem, preso às obrigações formais da vida cotidiana mas guardando dentro de si a doce lembrança dos “bons tempos” dos bailes, namoros e primeiros anos de casamento. Neste conto, a surpresa fica para o final, ao mesmo tempo bem humorado e cáustico. Neste conto não há concessões, desnudam-se as emoções do personagem, levando-nos a ver sob vários ângulos a natureza humana, seja ela boa ou ruim.
Por outro lado, temos contos em que o drama, a tensão, o mergulho nos conflitos interiores das personagens é fundamental. Nesse sentido, podemos citar o conto de Serafina Machado, belo, sofrido, dolorido mas também esperançoso, que pauta questões como estética, beleza, autoestima, sem ser piegas ou rançoso, mas buscando as razões pelas quais sua personagem é levada a se considerar “feia” desde os primeiros anos na escola e a se esconder atrás de “máscaras”, e mostrando a forma como ela supera essa situação e (re)descobre seu valor e sua beleza. Esse conto, uma pequena obra-prima, nos arrasta de modo inapelável ao sofrimento, fazendo-nos torcer pela personagem, para depois nos mostrar que o prazer está bem ali na nossa frente.
Outro conto também entra nessa perspectiva de não nos deixar respirar durante algum tempo. É o texto de Cuti, em que também no centro, a princípio, estão questões estéticas. Neste caso o conflito se relaciona ao cabelo da personagem. O cabelo também é tema do conto de Cristiane Sobral, mostrando que esse aspecto é recorrente talvez porque quando o escritor negro escreve sobre o seu povo, o vê como um todo, como mente e corpo, e uma das formas que a sociedade tem de questionar o corpo negro é menosprezando o uso do cabelo em sua forma natural, e isso desde crianças. Esse tema também preocupou o ator norte-americano Chris Rock, que realizou um documentário a respeito. No CN32, no conto de Cuti, a personagem se vê dividida entre usar o cabelo ao natural ou alisá-lo para facilitar a colocação no mercado de trabalho; aqui temos consciência x sobrevivência, um dilema que vai se desfiando pela bela linguagem tecida pela arte de Cuti, que não nos deixa esquecer que em Cadernos Negros o que se procura é fazer boa literatura.
Também em Cadernos temos um amplo painel que nos traz a literatura periférica, aqui nas vozes escritas de Sacolinha e Michel Yakini, dois expoentes dessa literatura, e o experimentalismo formal representado por Fausto Antônio, num texto que fala de separação.
Assim, Cadernos Negros, organizado por Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa, vai cumprindo sua missão, que é a de levar ao leitor um pouco do que se tem produzido no Brasil em termos de literatura afro.
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