--- Em seg, 7/2/11, Patrícia Rammos escreveu:
De: Patrícia Rammos
Assunto: Carta Aberta - Racismo na Farmácia Sant'ana - Salvador / Bahia
Data: Segunda-feira, 7 de Fevereiro de 2011, 19:07
Olá queridíssimos amigos e sociedade !!!
Para quem não me conhece, permita que eu me apresente. Meu nome é Patrícia Rammos, sou atriz e produtora.
Antes de mais nada, gostaria de dizer que, apesar de discordar algumas vezes, confio (e muito) na justiça do nosso país. Inclusive, tentei me manter um tanto calada durante esse tempo exatamente por acreditar nela e entender que deveria deixá-la fazer seu trabalho. Mas agora preciso e devo falar. Não só por mim, mas porque devo isso a mim, a minha família e todos vocês.
Entendam o caso:
Há alguns anos, mais precisamente no dia 10 de Outubro de 2007, as 18 horas, de uma quarta-feira, quando estava voltando da minha aula de boxe, precisei passar chuva numa das lojas Sant'ana da Graça, a que fica ao lado da Frio Gostoso, próximo ao Mac Donald's. Devo ter ficado nas dependências da loja por uns dez minutos. Aproveitei que estava lá e dei uma olhada em algumas estantes. Olhei, mas não levei. Como a chuva passou, resolvi ir pra casa. Quando estava já na Ladeira da Barra, um pouco depois da Academia Life, nas imediações da Aliança Francesa, um senhor alto, forte, me abordou e ordenou que eu abrisse minha sacola. Como pensei que era uma assalto, por conta da forma da abordagem, obedeci. Após remexer minha bolsa, o tal senhor me pediu desculpas, se apresentou como segurança da Farmácia Santa'ana e disse que tinha feito isso porque alguém tinha dito que achava que eu tinha colocado algo na bolsa. O que eu senti a partir daquele momento foi um misto de raiva, revolta, vergonha, desespero, medo e indignação. Tentei levá-lo ao Módulo Policial mais próximo (aquele da esquina), mas como ele se recusou voltei à Farmácia, falei com a gerente, pedi os dados dele e ela me disse que ele tinha comentado sobre isso. O cara ainda disse que "gente da nossa cor - ele também é negro - o povo pensa tudo que é ladrão", que não era para eu acusá-lo, que tinha um filho doente, bla, bla, bla... Foi um momento muito difícil, um dos mais difíceis da minha vida. Me senti frágil, vulnerável, injustiçada, sozinha... Mas reuni minhas forças e fui à uma delegacia. Depois dei queixa no Ministério Público e entrei com uma Ação na Justiça. O processo está tramitando na 24ª Vara Cível.
Agora o que posso dizer a vocês sobre o caso? O juiz acabou de arquivar por não conseguir identificar o criminoso. O tal segurança "sumiu" e a farmácia alega que não conhece e que ele nunca existiu. Ou seja, dias depois deram sumiço no tal segurança, que chegou até a falar com os jornalistas de um jornal daqui e se recusou a comentar sobre o episódio. A gerente agora sofre de amnésia. Além de não saber quem é o segurança, "diz que" não se lembra de ter falado comigo. A empresa também alega que não contrata seguranças e que, inclusive, não poderia ter cometido racismo, porque o seu quadro de funcionários é composto por uma maioria negra. Engraçado, negro pode trabalhar e vender pra loja, comprar não, né? Porque esse argumento em nada isenta a responsabilidade deles.
Para piorar, no dia da primeira audiência, o meu advogado, por questões sérias, chegou um pouco atrasado e o juiz declarou que como eu não possuía quem me defendesse, estava impossibilitada de ser ouvida e indicar minhas testemunhas. Não fui e nem sou leviana, temos provas de que ele existe, de que ele trabalhou lá, de que cometeu outras violências, mas precisamos e queremos ser ouvidos. O Ministério Público também arquivou o caso porque também não consegue achar o tal senhor. Será que com tantas pessoas para falar, não se pode fazer com que a empresa em questão seja obrigada a trazê-lo? Todas as testemunhas por parte da farmácia dizem que ele não existe e todas as minhas ainda não foram ouvidas. Ou seja, eu sou a louca. Se temos como provar o que aconteceu, como não podem nos ouvir? Que lei é essa que privilegia o réu e não ouve a vítima? A desculpa é "como a vítima estava sem advogado, não vai poder ser ouvida". E assim termina o caso?
Não estou sozinha, tenho várias testemunhas e acredito que, num país como o meu, que a lei dá crédito a quem chega na hora, mesmo que este tenha abrigado pessoas que agridem pessoas pelo tom de sua pele, preciso e devo correr atrás dos meus direitos. Inclusive, eu estava lá, na hora. Uma lei não pode ser tão matemática. Eu fui agredida e isso também teve hora, minuto e segundo. E quem vai pagar por isso? De fato o cara trabalhava para a farmácia e temos como provar isso. Se ele era contratado ou não, aí entra uma outra infração: Contratação informal de pessoas incapazes de exercerem tais funções.
Como já falei, eu ainda respeito, eu ainda acredito, eu ainda creio na lei do meu país. E peço o apoio de todos vocês. E não é pelo dinheiro, é pelo respeito, é porque não quero que outras pessoas passem por isso. A gente não pode sair de casa sem saber se vai voltar. Imaginem se eu tivesse resolvido colocar meu sabonete líquido dentro da bolsa pra tomar banho na academia, após a aula, e este fosse encontrado pelo segurança? Como eu iria provar para o "brucutu" que aquilo era meu e não usurpado da loja? Vou ter que andar com nota fiscal de tudo que compro? Olha só o mundo que estamos construindo !!! Fiquei pensando tanto nisso !!! Hoje se vou sair, penso em tudo que levo na bolsa, onde vou entrar... porque infelizmente, na minha terra, não tem essa história de que "quem não deve não teme". Aqui é a lei é dos mais fortes. Não a toa sumiram com ele, contrataram mais de dois advogados, instruíram os funcionários... É esse o mundo que estamos construindo para os nossos filhos, sobrinhos e por que não, nós mesmos? Não posso e não vou me conformar.
Quem me conhece sabe que odeio o discurso eterno do coitadinho, não tenho nenhum complexo de senzala, mas fui criada aprendendo a respeitar as pessoas e exigindo reciprocidade desse respeito. Tudo bem simples.
Por isso, Senhor Juiz, Senhor Promotor, com todo respeito, pensem com carinho. Poderia ter sido sua filha, sua esposa, seu vizinho, seu tio... E por qualquer razão. Não são só os negros que são vítimas de tais situações vexatórias. É o negro, a loira, o português, o nordestino, o baiano, a mulher, o gay, o advogado... E isso, infelizmente, ninguém pode arquivar.
Um abraço.
Patrícia Rammos
De: Patrícia Rammos
Assunto: Carta Aberta - Racismo na Farmácia Sant'ana - Salvador / Bahia
Data: Segunda-feira, 7 de Fevereiro de 2011, 19:07
Olá queridíssimos amigos e sociedade !!!
Para quem não me conhece, permita que eu me apresente. Meu nome é Patrícia Rammos, sou atriz e produtora.
Antes de mais nada, gostaria de dizer que, apesar de discordar algumas vezes, confio (e muito) na justiça do nosso país. Inclusive, tentei me manter um tanto calada durante esse tempo exatamente por acreditar nela e entender que deveria deixá-la fazer seu trabalho. Mas agora preciso e devo falar. Não só por mim, mas porque devo isso a mim, a minha família e todos vocês.
Entendam o caso:
Há alguns anos, mais precisamente no dia 10 de Outubro de 2007, as 18 horas, de uma quarta-feira, quando estava voltando da minha aula de boxe, precisei passar chuva numa das lojas Sant'ana da Graça, a que fica ao lado da Frio Gostoso, próximo ao Mac Donald's. Devo ter ficado nas dependências da loja por uns dez minutos. Aproveitei que estava lá e dei uma olhada em algumas estantes. Olhei, mas não levei. Como a chuva passou, resolvi ir pra casa. Quando estava já na Ladeira da Barra, um pouco depois da Academia Life, nas imediações da Aliança Francesa, um senhor alto, forte, me abordou e ordenou que eu abrisse minha sacola. Como pensei que era uma assalto, por conta da forma da abordagem, obedeci. Após remexer minha bolsa, o tal senhor me pediu desculpas, se apresentou como segurança da Farmácia Santa'ana e disse que tinha feito isso porque alguém tinha dito que achava que eu tinha colocado algo na bolsa. O que eu senti a partir daquele momento foi um misto de raiva, revolta, vergonha, desespero, medo e indignação. Tentei levá-lo ao Módulo Policial mais próximo (aquele da esquina), mas como ele se recusou voltei à Farmácia, falei com a gerente, pedi os dados dele e ela me disse que ele tinha comentado sobre isso. O cara ainda disse que "gente da nossa cor - ele também é negro - o povo pensa tudo que é ladrão", que não era para eu acusá-lo, que tinha um filho doente, bla, bla, bla... Foi um momento muito difícil, um dos mais difíceis da minha vida. Me senti frágil, vulnerável, injustiçada, sozinha... Mas reuni minhas forças e fui à uma delegacia. Depois dei queixa no Ministério Público e entrei com uma Ação na Justiça. O processo está tramitando na 24ª Vara Cível.
Agora o que posso dizer a vocês sobre o caso? O juiz acabou de arquivar por não conseguir identificar o criminoso. O tal segurança "sumiu" e a farmácia alega que não conhece e que ele nunca existiu. Ou seja, dias depois deram sumiço no tal segurança, que chegou até a falar com os jornalistas de um jornal daqui e se recusou a comentar sobre o episódio. A gerente agora sofre de amnésia. Além de não saber quem é o segurança, "diz que" não se lembra de ter falado comigo. A empresa também alega que não contrata seguranças e que, inclusive, não poderia ter cometido racismo, porque o seu quadro de funcionários é composto por uma maioria negra. Engraçado, negro pode trabalhar e vender pra loja, comprar não, né? Porque esse argumento em nada isenta a responsabilidade deles.
Para piorar, no dia da primeira audiência, o meu advogado, por questões sérias, chegou um pouco atrasado e o juiz declarou que como eu não possuía quem me defendesse, estava impossibilitada de ser ouvida e indicar minhas testemunhas. Não fui e nem sou leviana, temos provas de que ele existe, de que ele trabalhou lá, de que cometeu outras violências, mas precisamos e queremos ser ouvidos. O Ministério Público também arquivou o caso porque também não consegue achar o tal senhor. Será que com tantas pessoas para falar, não se pode fazer com que a empresa em questão seja obrigada a trazê-lo? Todas as testemunhas por parte da farmácia dizem que ele não existe e todas as minhas ainda não foram ouvidas. Ou seja, eu sou a louca. Se temos como provar o que aconteceu, como não podem nos ouvir? Que lei é essa que privilegia o réu e não ouve a vítima? A desculpa é "como a vítima estava sem advogado, não vai poder ser ouvida". E assim termina o caso?
Não estou sozinha, tenho várias testemunhas e acredito que, num país como o meu, que a lei dá crédito a quem chega na hora, mesmo que este tenha abrigado pessoas que agridem pessoas pelo tom de sua pele, preciso e devo correr atrás dos meus direitos. Inclusive, eu estava lá, na hora. Uma lei não pode ser tão matemática. Eu fui agredida e isso também teve hora, minuto e segundo. E quem vai pagar por isso? De fato o cara trabalhava para a farmácia e temos como provar isso. Se ele era contratado ou não, aí entra uma outra infração: Contratação informal de pessoas incapazes de exercerem tais funções.
Como já falei, eu ainda respeito, eu ainda acredito, eu ainda creio na lei do meu país. E peço o apoio de todos vocês. E não é pelo dinheiro, é pelo respeito, é porque não quero que outras pessoas passem por isso. A gente não pode sair de casa sem saber se vai voltar. Imaginem se eu tivesse resolvido colocar meu sabonete líquido dentro da bolsa pra tomar banho na academia, após a aula, e este fosse encontrado pelo segurança? Como eu iria provar para o "brucutu" que aquilo era meu e não usurpado da loja? Vou ter que andar com nota fiscal de tudo que compro? Olha só o mundo que estamos construindo !!! Fiquei pensando tanto nisso !!! Hoje se vou sair, penso em tudo que levo na bolsa, onde vou entrar... porque infelizmente, na minha terra, não tem essa história de que "quem não deve não teme". Aqui é a lei é dos mais fortes. Não a toa sumiram com ele, contrataram mais de dois advogados, instruíram os funcionários... É esse o mundo que estamos construindo para os nossos filhos, sobrinhos e por que não, nós mesmos? Não posso e não vou me conformar.
Quem me conhece sabe que odeio o discurso eterno do coitadinho, não tenho nenhum complexo de senzala, mas fui criada aprendendo a respeitar as pessoas e exigindo reciprocidade desse respeito. Tudo bem simples.
Por isso, Senhor Juiz, Senhor Promotor, com todo respeito, pensem com carinho. Poderia ter sido sua filha, sua esposa, seu vizinho, seu tio... E por qualquer razão. Não são só os negros que são vítimas de tais situações vexatórias. É o negro, a loira, o português, o nordestino, o baiano, a mulher, o gay, o advogado... E isso, infelizmente, ninguém pode arquivar.
Um abraço.
Patrícia Rammos
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