Escravidão doméstica
Forma de
escravidão na qual os cativos são absorvidos, em uma posição subalterna, a um
grupo de parentesco, e passam a ser empregados na produção de alimentos e
utensílios a serem consumidos pelo próprio grupo.
Via de regra,
em sociedades onde vigora esse tipo de escravidão os cativos são pouco numerosos.
De modo geral, a pessoa passa à condição de escravo por dívidas contraídas por
ela mesma ou por membros de sua família, como punição por crimes ou por ter
sido capturada em uma guerra. Ela não pode ser comprada, vendida ou trocada. É
comum que a pessoa escravizada, segundo essa forma, se case dentro do próprio
grupo de parentesco, que incorpora sua descendência, seja em uma posição
subalterna ou em uma situação de igualdade potencial com os demais membros da
mesma idade.
Na África, nos
locais onde a centralização política foi mais marcante, a escravidão doméstica
começou a passar por transformações. O número de escravos crescia
constantemente e eles passavam a ser cada vez mais importantes na produção de
alimentos, em geral para sustentar uma classe de guerreiros ou de funcionários
palacianos. No entanto, eles continuavam a ser obtidos por meio de guerras, e
não por transações comerciais. Em outras palavras, o escravo não era uma mercadoria,
nem era usado para produzir mercadorias.
Escravidão mercantil
Sistema
econômico no qual a produção da riqueza de uma sociedade, geralmente inserida
em um amplo circuito de trocas comerciais, baseia-se fundamentalmente no
trabalho escravo. Para essas sociedades, o escravo é uma mercadoria, destinada
a produzir outras mercadorias a serem vendidas no mercado externo.
Embora a
utilização de mão-de-obra escrava tenha praticamente desaparecido na Europa
durante a Idade Média, ela continuou a existir nos litorais do Mediterrâneo e
no Oriente Médio, especialmente nas zonas sob a jurisdição do Califado, que era
então um enorme império que unificava todos os muçulmanos, da Península Ibérica
e do sul da Itália às fronteiras da China e dos diversos Estados da Índia,
passando pelo norte da África. Com o tempo, seus mercadores alcançaram a África
Ocidental e os portos da África Oriental, integrando essas duas regiões no
comércio mundial e contribuindo para a introdução, em alguns desses locais, da
escravidão mercantil.
Excetuando-se o
Império Bizantino, a Europa era então uma região periférica, pobre e
desorganizada politicamente, e que servia apenas como zona de captura de
escravos e de saque para os exércitos muçulmanos. Apenas a partir do século X,
com a fragmentação política do Califado, a Europa começaria lentamente a se
fortalecer, em grande medida através da incorporação de diversas inovações
técnicas, econômicas e culturais trazidas de diversas partes do mundo pelos
muçulmanos.
A partir do
século XIV, Portugal passou a se interessar pelo comércio africano,
especialmente em duas mercadorias: ouro e escravos. O ouro era necessário para
cunhar as moedas aceitas pelos comerciantes hindus, islâmicos ou chineses em
troca de especiarias e artigos de luxo, como seda e perfumes. Os escravos
continuavam sendo utilizados no sul da Europa para a produção de alimentos,
vinho e azeite de oliva.
A primeira
experiência portuguesa com a escravidão mercantil ocorreu nas ilhas atlânticas:
para Cabo Verde eram levadas pessoas escravizadas no golfo do Benim para que
produzissem têxteis, que, por sua vez, era trocado por ouro nas regiões
produtoras da África Ocidental. Na ilha da Madeira, o vinho, vendido na Europa,
também era produzido com mão-de-obra escrava. Mais tarde, os escravos comprados
na região do Congo-Angola foram incorporados a esse circuito, que passou a
incluir também a produção de açúcar em São Tomé. Essas experiências escravistas
foram mais tarde aplicadas às possessões portuguesas nas Américas, no
território que viria a ser o Brasil.
A escravidão
mercantil apresenta com frequência dois desenvolvimentos colaterais.
O primeiro é
que, por ser uma mercadoria cara, o escravo torna-se um item fundamental do
consumo conspícuo, ou seja, ele passa a ser adquirido e exibido publicamente
como prova do status social superior de quem o possui. No Brasil, esse
processo foi bastante comum – os viajantes estrangeiros que passaram por aqui
registraram isso muito bem. [ver escravidão
conspícua]
O segundo é
que, em ocasiões em que a demanda militar não é suportada pelo contingente
populacional de homens livres, sociedades escravistas tendem a formar
contingentes militares de escravos. Isso pode ocorrer quando há pretensões de
expansão territorial, quando há necessidade de defesa contra um inimigo mais
poderoso, ou quando é necessário conter dissensões e revoltas internas (nesse
caso, os homens livres que compõem os exércitos comuns poderiam simplesmente
aderir à revolta, em função de lealdades familiares ou locais). Esse processo
ocorreu, por exemplo, no império de Oyó, na África Ocidental. [ver escravidão ancilar].
No cômputo
geral, entretanto, a quantidade de escravos soldados ou de escravos utilizados
apenas como indicativo de status sempre foi incomparavelmente menor que
o número de escravos empregados na produção de mercadorias. É essa
preponderância que nos permite falar de um sistema de escravidão mercantil.
É importante
salientar que, no mundo muçulmano, a escravidão não tinha inicialmente um
caráter racial, como parece ter tido desde muito cedo na Europa. Os escravos
eram de muitas cores e vinham de qualquer lugar – dos campos da Europa
Ocidental, das planícies da Ásia Central, do entorno do Mar Negro ou da Índia.
Entretanto, enquanto, nessas regiões, diversos fatores contribuíram para
limitar e mesmo extinguir a captura e o comércio de escravos entre os séculos
XIV e XVII, a região africana se consolidou como a principal região fornecedora
para o mundo muçulmano, papel que desempenhou até o fim do século XIX. Como
resultado disso, passou a haver uma correlação entre escravidão e raça, baseada
principalmente nas formulações cristãs europeias sobre o tema, em especial as
que envolviam o episódio bíblico dos filhos de Noé.
FONTE:
FIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. Glossário. In: História da África. Salvador:
CEAO/UFBA, 2011.
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