Educadora e coordenadora do 4º Concurso Negro e Educação - Ação Educativa
Radical
1 relativo ou pertencente à raiz ou à origem; original
1.1 que parte ou provém da raiz
1.2 derivação: sentido figurado - relativo ou relacionado com o fundamento, a origem; fundamental, básico
1.3 derivação: sentido figurado - essencial; completo, profundo
1.4 que constitui uma base ou fundamento
Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa
Início do século XXI. Final do ano de 2006
Em tempos de discussões sobre o processo de implementação de políticas públicas de promoção da igualdade racial no Brasil, a área de educação ganha cada vez mais evidência.
Grande parte do destaque do tema deve-se ao sancionamento da Lei n°10.639/03 de janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas.
Para continuar a conversa é fundamental salientar dois aspectos que imprimem à 10.639 – como tem sido chamada a referida Lei – importância considerável. Primeiramente destaca-se que a Lei foi regulamentada pelo parecer 003/2004 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no sistema educacional do país. Destaca-se também que a Lei 10.639 altera a Lei de Diretrizes de Bases da Educação – LDB n° 9.394/96 em seus artigos artigo 26 e 79 e, desta forma, todas as unidades escolares de educação básica, por meio de seus projetos políticos pedagógicos e currículos, devem buscar a nova medida. Diante disso, no meio do caminho temos avanços, possibilidades e desafios - desafios que exigem radicalidades.
“Esta Lei tem de pegar”. É esse o anseio dos movimentos sociais negros, e de outros comprometidos com a promoção da igualdade das relações raciais na escola. Para isso foram, e estão sendo desenvolvidos esforços, negociações e diálogos, por vezes tensos, entre diversos setores governamentais e não governamentais para que sejam estabelecidas políticas públicas capazes de fazer “a lei sair do papel”.
Registra-se que os últimos três anos trouxeram avanços significativos, considerando-se, em especial, um certo tipo de avanço que qualifica e fortalece o volume das discussões. Para citar alguns: foram criadas secretarias e órgãos governamentais de planejamento e de orientação; aumentou o número de pessoas e instituições envolvidas em discussões coletivas; detectou-se o incremento de pesquisas acadêmicas e a organização de uma série de publicações de apoio que subsidiam o debate e as ações nas escolas.
Em especial no que se refere à formação de educadores, os avanços – ainda que insuficientes – são significativos. Basta ver a quantidade de projetos e cursos existentes, com maior ou menor duração, dentro ou fora das universidades, nas secretarias de educação, em ONGs, presenciais ou à distância, coordenados em grande parte por grupos de militantes e pesquisadores, já envolvidos com a produção de conhecimento na área de relações raciais.
Como conteúdo programático, as formações trazem a sócio-história da questão racial no Brasil, que necessariamente envolve a História da África Pré-Colonial e Contemporânea; a longa história do Atlântico e da travessia dos povos para serem escravizados no Brasil e outras informações – básicas para que as pessoas possam relacionar tais questões com aspectos da educação no Brasil.
São cursos e mais cursos, palestras, e seminários e oficinas, com a presença de educadores que, quase sempre, ficam literalmente perplexos diante das informações, inéditas para a maioria. Geralmente são feitas pelo menos duas perguntas: Onde estavam essas informações que eu não tinha? E depois: Como eu vou trabalhar isso na minha escola? Do universo dos participantes, alguns saem com informações, mas sem saber como levar para a escola. Outros buscam a continuidade, envolvem-se na organização de grupos de estudos, pesquisam, ousam, experimentam.
O acesso às informações dos cursos deveria ser o suporte para reflexão e entendimento voltados para a ação cotidiana na escola. Para dar suporte às práticas pedagógicas que caminhem no sentido de analisar, problematizar, interferir, alterar os obstáculos que cerceiam o direito à educação para uma parte da população. O que nem sempre acontece.
Não raramente os participantes são pessoas que estão atrás de informações não como representantes da escola, legitimados pelo coletivo. São pessoas autônomas – educadores e educadoras – que individualmente ou em pequenos grupos buscam fortalecimento para si e para ações que já realizam ou têm desejo de realizar. Mesmo quando os cursos contam com envolvimento das Secretarias de Educação, os professores se sentem sozinhos e sem o apoio de outros que sejam parceiros no enfrentamento das exigências próprias da escola.
Formação de educadores: das atividades aos Projetos Políticos Pedagógicos
Ainda assim, temos avanços. Nas salas de aula nota-se a ampliação de atividades e eventos centrados na confecção de livros de tecido, de máscaras, de bonecas negras, na mediação de leitura com o uso de recursos diversos tais como vídeos, imagens, os contos e mitos, significado de palavras de origem africana e em uso no Brasil, organização de mural com personagens negros de ontem e de hoje, análise de material da mídia impressa. Serão válidas e pertinentes desde que não soltas e sem organicidade, regidas pela lógica das datas comemorativas ou ainda das ocasiões nas quais se busca “incluir a matriz africana nos currículos”.
Também temos possibilidades, e necessidades. Por exemplo, problematizar em que medida tais atividades dialogam com os projetos da escola e com os currículos. Quais são os princípios e objetivos educativos que sustentam tais atividades? Em que instâncias são negociadas e explicitadas as intenções de modo que o processo de gestação e desenvolvimento das atividades e projetos sejam oportunidade de aprofundamento do entendimento de aspectos importantes para a reeducação das relações raciais.
Temos desafios no meio do caminho. Ainda que sem o respaldo institucional, as atividades são realizadas por iniciativa de educadores que já atuavam e aprimoram o seu fazer, por outros que começam e com garra insistem no trabalho, ou ainda pelos que a realizam pontualmente. A mudança na postura de um significativo grupo de educadores não corresponde necessariamente às mudanças nas escolas, nos projetos político pedagógicos e na organização dos currículos.
Sem a institucionalização do trabalho, a materialização do intenso processo de formação continuada tende a acomodar-se no rol das atividades pontuais que pouco alteram o intrincado jogo de poder no qual estamos todos envolvidos, querendo ou não, assumindo ou não, independentemente do pertencimento étnico-racial.
Ao lado dos avanços estão também as possibilidades e os desafios, o que requer pensar porque, como e quais princípios e questões organizarão o currículo das unidades escolares, de acordo com um projeto político pedagógico que, contrariando o que tradicionalmente acontece, deixe de lado o silêncio em torno das questões referentes a negros e indígenas e valorize da mesma forma tais matrizes junto às asiáticas e européias.
A inserção curricular das relações raciais, da cultura afro-brasileira e africanas, não se esgota com a abordagem dos temas afins. Antes disso, diz respeito ao incremento da formação inicial e programas de formação continuada e também ao fazer pedagógico cotidiano que contemple esta questão juntamente com outras relações de gênero e a homofobia, entre outras diferenças certamente presentes nas escolas.
FONTE: http://www.controlesocial.org.br/boletim/ebul21/fai_amarelo4.html
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