Posted In: Notícias . By Yoná Valentim
Luiza Bairros – De fato, uma das coisas mais difíceis em uma secretaria como a Sepromi é definir prioridades. Esta é uma estrutura criada há um ano e meio, que tem como missão tratar de questões sobre as quais o governo do Estado nunca havia se debruçado antes. Existe uma grande demanda reprimida de interesses e direitos destas populações com as quais nós trabalhamos (negros e mulheres) e a Sepromi acaba sendo a porta dentro do governo estadual hoje por onde esta demanda vai entrar. Entretanto, logo após sua criação, estabeleceu-se nesta secretaria uma prioridade em relação às comunidades quilombolas que é hoje o carro – chefe das ações da secretaria.
LB – Há um amplo leque de ações e atividades envolvendo estas comunidades, para que sejam incluídas nos principais programas de governo, principalmente no que se refere à área de infra-estrutura. Existe a inserção hoje das comunidades no que se refere a questões de água e saneamento, saúde (instalação de postos de atendimento) e, para, além disso, um trabalho de intermediação de conflitos que ocorrem nesses territórios.
Ìrohìn – Os temas relacionados à mulher também estiveram no centro de muitas atividades da gestão anterior...
LB – Exato. Nesta primeira fase foi estabelecida como prioridade a execução do Plano Estadual de Políticas para as Mulheres, enfatizando-se a questão da violência. Temos buscado estabelecer no estado a rede de atendimento às mulheres em situação de violência, o que implica uma série de ações intermediárias envolvendo vários municípios. Junto a isso, se tem buscado o fortalecimento dos Centros de Referência e o estabelecimento de um diálogo com a Secretaria de Segurança Pública no sentido de reforçar o trabalho das Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAMs).
Ìrohìn – É possível traçar uma perspectiva do que deve ser enfatizado nesta nova gestão?
LB - Estas prioridades atendem a uma parte importante dos direitos das comunidades negras e das mulheres de maneira geral, sem dúvida. Mas eu vejo uma necessidade, nessa segunda fase, de reforçarmos um trabalho que, do ponto de vista da questão racial, se dirija mais diretamente à ação de algumas secretarias, aquelas que operam em quatro setores que sempre foram considerados muito importantes em todas as pautas de políticas públicas com as quais o Movimento Negro tem atuado nos últimos anos: Educação, Saúde, Trabalho e Justiça e Segurança Pública.
Ìrohìn – Qual é o diálogo, hoje, com estas secretarias?
LB – A Sepromi já tem um caminho andado, com mecanismos que já estão sendo criados dentro do governo para atender as questões de Educação e Saúde, por exemplo. A Saúde já caminhou em seu programa de atenção às doenças falciformes, mas ainda falta definir uma política de saúde da população negra, o que vai ser feito por um comitê técnico estadual que a Secretaria de Saúde instituiu e deve começar a operar em breve. Na Educação, para além de algumas atividades pontuais, hoje já está sendo estabelecido um GT interinstitucional para trabalhar a questão da diversidade e enfrentamento do racismo nesta pasta. Essa linha também está sendo trabalhada com a Secretaria de Administração, quanto aos Concursos Públicos e os conteúdos que são passados pelas Universidades Corporativas aqui do Estado. Tudo isso visando assegurar a visibilidade dessas preocupações dentro da administração pública como um todo.
Ìrohìn - Há articulações mais diretas com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) para combater a violência que vitima negros e mulheres?
LB – Essa é uma pauta mais recente e considero que a Sepromi já conseguiu dar um passo importante com o Seminário realizado em agosto (Seminário de Segurança Pública e Promoção da Igualdade), que contou com a participação da SSP e da Secretaria de Justiça. Agora, com a discussão do PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Cidadã), cujo núcleo gestor conta com a nossa presença, estamos criando as possibilidades de responder às expectativas da comunidade negra local quanto a mudanças na política de segurança. Já na área de Justiça, há uma linha de ação sendo pensada em relação à política carcerária do estado.
Ìrohìn – Nestas articulações, o que pensar e fazer quanto ao que setores vêm apontando como "extermínio da população negra" na Bahia?
LB – A questão mais direta quanto a isso é que há um reconhecimento, dentro do governo, de que são os jovens negros as maiores vítimas desta situação, de fato. A possibilidade de poder entrar nesta discussão é um fenômeno recente dentro do governo (PRONASCI), pois essa área da Segurança Pública sempre apresentou uma maior resistência a considerar o que a sociedade tem a dizer. Nesse espaço, o que temos que constatar, antes de fazer qualquer coisa, é a própria concepção embutida neste Programa, que é o pressuposto da criminalidade existente no seio da juventude negra. Só para termos uma idéia do que ainda temos que caminhar dentro disso. É um diálogo ainda envolto na criminalização dessa juventude. Para isso, precisaremos avançar nas conversas com o Movimento (mais particularmente com a juventude), para sabermos como deveremos operar esta questão da Segurança nos moldes do que já temos feito com as políticas de educação e saúde, por exemplo. Reitero que sem pressão social, esta situação não muda. Ainda teremos que andar um pouco mais no sentido de apontar por onde exatamente o governo terá que caminhar, centrando nossas ações nesta questão da Segurança Pública, em especial a questão das mulheres.
Ìrohìn – Há ações previstas neste sentido?
LB – Vamos instituir aqui na Sepromi um Núcleo para acompanhar os números da violência contra a mulher, com especial atenção para os assassinatos. Em termos de números, é, obviamente, menor do que o número de jovens negros assassinados. Mas o que esses números nos mostram é um quadro de total desvalorização da mulher em nossa sociedade. E essa desvalorização é que permite essa freqüência de assassinatos. No caso das mulheres negras, isso não pode ser separado do racismo que as atinge.
Ìrohìn – Em relação a questões religiosas, que ações estão sendo pensadas e realizadas junto aos terreiros de Candomblé?
LB – Devemos avançar na aproximação com as comunidades de Terreiros na Bahia, garantindo que as ações do governo não tenham resquícios do paternalismo e controle no modo como essas comunidades operam, como já conhecemos. O grande desafio de trabalhar com essa agenda dentro da administração é, justamente, garantir que nossas ações respeitem e considerem a autonomia conquistada por essas comunidades.
Ìrohìn – Como tem sido a abertura dentro do Estado em relação a esses temas?
LB – As dificuldades para se tratar desse tipo de agenda dentro do governo baiano não são nada diferentes das que a gente já conhece a partir das experiências em outros estados. Por outro lado, devemos considerar que, no caso da Bahia, a promoção da igualdade entra como uma diretriz estratégica do governo e existem ações específicas já contempladas dentro do Plano Plurianual. Então, isso empresta uma legitimidade muito grande para as iniciativas tomadas pela Sepromi. Agora, o mais difícil de transpor é exatamente o que perpassa a sociedade como um todo e, portanto, os/as dirigentes, gestores/as públicas, que é a idéia de que o combate ao racismo não deve ser tratado pela via das políticas públicas. Isso é verdadeiro tanto na questão racial quanto na das mulheres. Todo o trabalho que temos aqui deve convergir para uma discussão, dentro do governo, sobre o fato de que o sexismo e o racismo criam graves impedimentos para que as ações governamentais cheguem aos grupos. Então, esse é o patamar da discussão que ainda está sendo elaborado para que as ações de uma Secretaria como a Sepromi não fiquem parecendo um mero penduricalho democrático que um governo insere em sua estrutura. A Sepromi, portanto, não é a secretaria dos negros, nem das mulheres. É a secretaria que pretende dar conseqüência a um slogan que é muito caro a esse governo que é o de ser democrático, participativo e popular. Apesar da definição da promoção da igualdade como diretriz estratégica, existem ainda (e esse é um aspecto pelo qual a gente vai ter que brigar muito), alguns dirigentes que hesitam em abraçar ou não essa diretriz com a importância que ela merece. Tudo depende ainda de uma "vontade política". Se essa é uma escolha política feita pelo Governo da Bahia, todos que nele trabalham devem, portanto, a ela se submeter.
Ìrohìn – Diante de secretarias, em diferentes níveis de governo, articuladas com a temática racial, além da pressão, a que você já se referiu, o que se pode destacar na ação dos movimentos negros?
LB – Autonomia política. Não acredito que os governos possam fazer qualquer coisa se não tivermos movimentos organizados e vigilantes. Estes órgãos do tipo Sepromi não podem ser encarados como aqueles que têm que viabilizar projetos de entidades. Eles existem para fazer com que a estrutura do governo passe a trabalhar incluindo a comunidade negra na inteireza de suas reivindicações. Na medida em que encaramos esse posicionamento, fica mais fácil para os movimentos perceberem, inclusive, o que há de diferente entre a agenda do governo e a do movimento social. Eu tenho dito às pessoas que não estou passando por nenhuma crise de identidade (governo ou movimento negro?). Estou no governo hoje lastreando minhas ações no meu aprendizado dentro do movimento negro. Sei também que a estrutura que o governo cria para trabalhar com estas questões não é a que o MN pretendeu. Ela traduz o que o movimento negro coloca. Combate ao racismo é promoção da igualdade. Violência é segurança cidadã. Na condição, portanto, de dirigente estadual, preciso estar atenta é para o que se perdeu nessa tradução e o que eu posso e devo recuperar. Um desafio imenso. Precisamos identificar qual o papel desses atores/atrizes governamentais e não- governamentais para não usurparmos o lugar do movimento social. É nele que as respostas são produzidas e eu estou atenta a isso.
A secretária Luiza Bairros compõe a comitiva que fará uma visita histórica à República do Benin nesta semana (8 a 11/9). Além do governador Jaques Wagner, viajarão ao Benin o ministro da Cultura Juca Ferreira, o presidente do Iphan, Luís Fernando Almeida, o presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, o secretário de Cultura, Márcio Meirelles, o diretor da Fundação Pedro Calmon/Secult, Ubiratan Castro, o secretário da Indústria, Comércio e Mineração, Rafael Amoedo, e o presidente da Fieb, Vitor Ventin. Essa é a primeira vez que um chefe do executivo baiano visita a África para fortalecer o intercâmbio cultural e comercial.
Fonte: Ìrohìn
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