O poeta nasceu em Basse-Pointe (Basse-Terre) na Martinica, em 1913. Morreu na última quinta-feira, dia 17 de Abril em Fort-de-France, na sua terra natal, aos 94 anos. Apesar da sua origem modesta, conseguiu completar seus estudos em Paris, primeiro como bolsista do liceu Louis-le- -Grand e depois como concursado da Ecole Normale Supérieure, de onde saiu professor. Os anos em Paris foram decisivos, não somente pelos estudos literários, como também pela oportunidade de desenvolver a consciência acerca da sua condição de negro antilhano. A amizade que fez com o franco-guianês Léon-Gontrand Damas e com o senegalês Léopold Sédar Sénghor lhe rendeu muitos frutos, chegando mesmo a participar com eles do jornal L’ Etudiant Noir.
O clima no Quartier Latin dos anos 30 era de efervescência política, sobretudo em favor da causa negra, do marxismo e da psicanálise de Freud. Lá também chegavam notícias a respeito da miséria sócio-económica e cultural em que viviam os negros da América do Norte. W.E.B. Du Bois, escritor nascido em Massachusetts em 1868, já difundia, desde o século anterior, suas ideias sobre as estereotipias criadas pelos brancos em torno do negro, passivamente aceitas pelas “pessoas de cor”. Tanto que, para alguns estudiosos, o movimento da Negritude é prenunciado nos Estados Unidos do começo do século.
Não obstante a difícil condição existencial do negro, a presença de uma arte africana influenciou pintores como Picasso, Braque, Derain e Matisse que, inspirados por uma nova estética, fundaram o movimento chamado de Cubismo, se opondo à concepção ocidental de beleza e espaço. A arte negra seduzia pela sua estranheza e abstracção. Assim aconteceu com a música, na expressão do jazz norte-americano, com a dança, nas coreografias de Darius Milhaud e com a literatura em Apollinaire e em Blaise Cendrars.
Nessa atmosfera, começam a surgir publicações, umas mais políticas, outras mais propriamente literárias, como as revistas Monde Noir (1931/32), Légitime Défense (1932) e o jornal L’ Etudiant Noir (publicado em Março de 1935). Seus artigos suscitavam inquietação quanto à questão do negro no mundo e revelavam, desde então, uma recusa do etnocentrismo europeu, em favor de uma literatura negra autêntica, capaz de reavivar histórias, tradições, línguas “negras” e de ser contra a visão de um mundo maniqueísta marcado pela ânsia de novas conquistas coloniais e pela missão civilizadora sobre os povos primitivos.
O breve relato já demonstra o contexto histórico a que Césaire foi exposto e também explica a sua trajectória enquanto poeta e político de um país colonizado durante aproximadamente trezentos anos. A complexidade da sua escritura, a sensibilidade aguda capaz de revelar sentimentos profundamente contraditórios, o forte apelo para a justiça e fraternidade de um povo sofrido que passa ao lado do seu verdadeiro grito (CESAIRE, 1939, p.10) são a consequência dessa ruminação incubada e expressa pelo poeta porta-voz da negritude inerte e muda.
O seu retorno à Martinica é poetizado no Cahier d’ un retour au pays natal, obra prefaciada por André Breton, considerado o pai do surrealismo. É no Cahier, publicado em 1939 pela revista Volontés, que Césaire emprega, pela primeira vez, o termo Négritude e marca a intenção assumida de rejeitar a influência ocidental. Nessa obra, o poeta impõe fronteiras bem definidas entre a cultura branca e a negra como se, na busca de reconciliação consigo mesmo e com o seu povo, fosse preciso destruir o efeito causado pela assimilação da cultura ocidental já em crise. A Negritude rompe com a crença na existência de uma raça ariana superior e, assim, com o mito europeu, assimilado através de uma língua imposta. É o momento em que os poetas vivenciam o vazio deixado pela rejeição ao colonizador e se voltam para a África, na tentativa de fixar lá as suas origens e reconstruir uma identidade negra. Criam, assim, outro mito, dessa vez o da África. Na ausência de um presente acolhedor, a Negritude se fundamenta na exploração mítica de um passado e de seus valores tradicionais, principalmente aqueles ligados à ancestralidade.
Preocupado com o vazio cultural antilhano, Césaire funda, em 1941, juntamente com René Ménil, a revista Tropiques. Nos doze números publicados encontram--se artigos ecléticos, em prosa e em poesia, de poucos, mas significativos colaboradores, dentre eles Suzanne Césaire, escritora e sua mulher. A revista foi censurada, quatro anos depois, pelo governo de Vichy.
Professor do Liceu Schoelcher desde o seu retorno à ilha natal, Césaire foi também militante do partido comunista francês até 1956, fundando, dois anos depois, o Partido Progressista Martinicano (PPM). Em 1945, é eleito prefeito de Fort-de- -France, cargo que ocupou durante cerca de 50 anos. Como deputado nacional pela ilha e prefeito, Césaire participou activamente da departamentalização da Martinica, que ocorreu em 1946, e só se despede da carreira parlamentar em 1993.
O pós-guerra marca o seu desenvolvimento poético, com a publicação das obras Les Armes Miraculeuses (1946), Soleil cou coupé (1948), Corps Perdu (1950), Ferrements (1960) e Cadastre (1961). Sua poesia, em linha com a de Rimbaud, Mallarmé, Claudel e Lautréamont, foi criticada por possuir uma linguagem hermética e por isso, pouco acessível.
Em 1960, Césaire volta-se para o teatro, numa linguagem trágica, de fundo histórico e político, porém tentando se aproximar de uma arte popular e didáctica. Os temas propostos, por exemplo, em La Tragédie du roi Cristophe (1963) e Une Saison au Congo (1966), demonstram um Césaire mobilizado pela história haitiana e africana dos períodos da colonização, da escravidão e da independência. Sua terceira peça, Une tempête (1969), uma adaptação alegórica de The tempest de Shakespeare, é marcada por uma revolta profundamente lírica.
Depois de silenciar por mais de uma década, Césaire retorna à poesia com a publicação de Moi, laminaire..., em 1982, onde o poeta se identifica a uma alga laminar, se reconhece “binário e claudicante” e diz “habitar um endereço incerto, entre o norte e o sul” (M.L., p.383;385). Moi, laminaire... surge, então, como um novo acontecimento que se situa entre as profundezas de um passado nostálgico e a esperança que deriva em direcção a um amanhã.
A riqueza de elementos ligados à política e à história social do povo antilhano, presentes em sua obra, possibilita compreender melhor a conjunção da consciência individual e coletiva acerca do negro colonizado, marca do lirismo. Mas a sua escritura não é, evidentemente, o resultado de uma simples restituição da realidade, e sim o seu efeito subjetivo, expresso na poética através das tantas imagens que sugerem traços traumáticos e complexos. Em Césaire, não se pode mesmo desvincular a existência da sua manifestação criadora, pois homem e poeta convergem em algo laminar, deslizando um sobre o outro, entre sonho e realidade.
Fonte: http://www.jornaldeangola.com/artigo.php?ID=82411&Seccao=cultura
O clima no Quartier Latin dos anos 30 era de efervescência política, sobretudo em favor da causa negra, do marxismo e da psicanálise de Freud. Lá também chegavam notícias a respeito da miséria sócio-económica e cultural em que viviam os negros da América do Norte. W.E.B. Du Bois, escritor nascido em Massachusetts em 1868, já difundia, desde o século anterior, suas ideias sobre as estereotipias criadas pelos brancos em torno do negro, passivamente aceitas pelas “pessoas de cor”. Tanto que, para alguns estudiosos, o movimento da Negritude é prenunciado nos Estados Unidos do começo do século.
Não obstante a difícil condição existencial do negro, a presença de uma arte africana influenciou pintores como Picasso, Braque, Derain e Matisse que, inspirados por uma nova estética, fundaram o movimento chamado de Cubismo, se opondo à concepção ocidental de beleza e espaço. A arte negra seduzia pela sua estranheza e abstracção. Assim aconteceu com a música, na expressão do jazz norte-americano, com a dança, nas coreografias de Darius Milhaud e com a literatura em Apollinaire e em Blaise Cendrars.
Nessa atmosfera, começam a surgir publicações, umas mais políticas, outras mais propriamente literárias, como as revistas Monde Noir (1931/32), Légitime Défense (1932) e o jornal L’ Etudiant Noir (publicado em Março de 1935). Seus artigos suscitavam inquietação quanto à questão do negro no mundo e revelavam, desde então, uma recusa do etnocentrismo europeu, em favor de uma literatura negra autêntica, capaz de reavivar histórias, tradições, línguas “negras” e de ser contra a visão de um mundo maniqueísta marcado pela ânsia de novas conquistas coloniais e pela missão civilizadora sobre os povos primitivos.
O breve relato já demonstra o contexto histórico a que Césaire foi exposto e também explica a sua trajectória enquanto poeta e político de um país colonizado durante aproximadamente trezentos anos. A complexidade da sua escritura, a sensibilidade aguda capaz de revelar sentimentos profundamente contraditórios, o forte apelo para a justiça e fraternidade de um povo sofrido que passa ao lado do seu verdadeiro grito (CESAIRE, 1939, p.10) são a consequência dessa ruminação incubada e expressa pelo poeta porta-voz da negritude inerte e muda.
O seu retorno à Martinica é poetizado no Cahier d’ un retour au pays natal, obra prefaciada por André Breton, considerado o pai do surrealismo. É no Cahier, publicado em 1939 pela revista Volontés, que Césaire emprega, pela primeira vez, o termo Négritude e marca a intenção assumida de rejeitar a influência ocidental. Nessa obra, o poeta impõe fronteiras bem definidas entre a cultura branca e a negra como se, na busca de reconciliação consigo mesmo e com o seu povo, fosse preciso destruir o efeito causado pela assimilação da cultura ocidental já em crise. A Negritude rompe com a crença na existência de uma raça ariana superior e, assim, com o mito europeu, assimilado através de uma língua imposta. É o momento em que os poetas vivenciam o vazio deixado pela rejeição ao colonizador e se voltam para a África, na tentativa de fixar lá as suas origens e reconstruir uma identidade negra. Criam, assim, outro mito, dessa vez o da África. Na ausência de um presente acolhedor, a Negritude se fundamenta na exploração mítica de um passado e de seus valores tradicionais, principalmente aqueles ligados à ancestralidade.
Preocupado com o vazio cultural antilhano, Césaire funda, em 1941, juntamente com René Ménil, a revista Tropiques. Nos doze números publicados encontram--se artigos ecléticos, em prosa e em poesia, de poucos, mas significativos colaboradores, dentre eles Suzanne Césaire, escritora e sua mulher. A revista foi censurada, quatro anos depois, pelo governo de Vichy.
Professor do Liceu Schoelcher desde o seu retorno à ilha natal, Césaire foi também militante do partido comunista francês até 1956, fundando, dois anos depois, o Partido Progressista Martinicano (PPM). Em 1945, é eleito prefeito de Fort-de- -France, cargo que ocupou durante cerca de 50 anos. Como deputado nacional pela ilha e prefeito, Césaire participou activamente da departamentalização da Martinica, que ocorreu em 1946, e só se despede da carreira parlamentar em 1993.
O pós-guerra marca o seu desenvolvimento poético, com a publicação das obras Les Armes Miraculeuses (1946), Soleil cou coupé (1948), Corps Perdu (1950), Ferrements (1960) e Cadastre (1961). Sua poesia, em linha com a de Rimbaud, Mallarmé, Claudel e Lautréamont, foi criticada por possuir uma linguagem hermética e por isso, pouco acessível.
Em 1960, Césaire volta-se para o teatro, numa linguagem trágica, de fundo histórico e político, porém tentando se aproximar de uma arte popular e didáctica. Os temas propostos, por exemplo, em La Tragédie du roi Cristophe (1963) e Une Saison au Congo (1966), demonstram um Césaire mobilizado pela história haitiana e africana dos períodos da colonização, da escravidão e da independência. Sua terceira peça, Une tempête (1969), uma adaptação alegórica de The tempest de Shakespeare, é marcada por uma revolta profundamente lírica.
Depois de silenciar por mais de uma década, Césaire retorna à poesia com a publicação de Moi, laminaire..., em 1982, onde o poeta se identifica a uma alga laminar, se reconhece “binário e claudicante” e diz “habitar um endereço incerto, entre o norte e o sul” (M.L., p.383;385). Moi, laminaire... surge, então, como um novo acontecimento que se situa entre as profundezas de um passado nostálgico e a esperança que deriva em direcção a um amanhã.
A riqueza de elementos ligados à política e à história social do povo antilhano, presentes em sua obra, possibilita compreender melhor a conjunção da consciência individual e coletiva acerca do negro colonizado, marca do lirismo. Mas a sua escritura não é, evidentemente, o resultado de uma simples restituição da realidade, e sim o seu efeito subjetivo, expresso na poética através das tantas imagens que sugerem traços traumáticos e complexos. Em Césaire, não se pode mesmo desvincular a existência da sua manifestação criadora, pois homem e poeta convergem em algo laminar, deslizando um sobre o outro, entre sonho e realidade.
Fonte: http://www.jornaldeangola.com/artigo.php?ID=82411&Seccao=cultura
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