Quando os primeiros europeus desembarcaram na costa africana em meados do século XV, a organização política dos Estados africanos já tinha atingido um nível de aperfeiçoamento muito alto.
A ignorância em relação à história antiga dos negros, as diferenças culturais, os preconceitos étnicos entre as duas raças que se confrontam pela primeira vez, tudo isso mais as necessidades económicas de exploração predispuseram o espírito do europeu a desfigurar completamente a personalidade moral do negro e suas aptidões intelectuais. Negro torna--se, então, sinónimo de ser primitivo, inferior, dotado de uma mentalidade pré-lógica. E, como o ser humano toma sempre o cuidado de justificar a sua conduta, a condição social do negro dos seus pretendidos caracteres menores. No máximo, foram reconhecidos nele os dons artísticos ligados à sua sensibilidade de animal superior. Tal clima de alienação atingirá profundamente o negro, em particular o instruído, que tem assim a ocasião de perceber a ideia que o mundo ocidental fazia dele e do seu povo. Na sequência, perde a confiança em suas possibilidades e nas da sua raça, e assume os preconceitos criados contra ele. É nesse contexto que nasce a negritude.
A compreensão das circunstâncias históricas em que surgiu a negritude, obriga, como já foi enfatizado, a considerar rapidamente a situação colonial nas suas características e legitimações discursivas.
Como todo movimento reivindicador, o chamado “Negritude” foi marcado por uma literatura que, muito mais do que um movimento literário, foi um acto político, uma afirmação de independência, um clamor por reconhecimento.
Em 1934, o senegalês Léopold Sedar Sénghor, o poeta da Martinica, Aimée Césaire, juntamente com Damas, Sainville e Maugée, fundaram a revista “L’Etudiant Noir” (O Estudante Negro), cuja função foi resumida pelo guiano Damas como jornal corporativo e de combate, que tinha por objetivo o fim da tribalização, do sistema clânico em vigor no Quartier Latin! A proposta era que deixassem de ser estudantes martiniqueses, guadalupenses, guianos, africanos, malgaches, para que fossem um só e mesmo “estudante negro”.
Nessa época o objetivo era a união para combater a discriminação, dando-se ênfase à reflexão sobre a condição do negro e sua relação com o colonizador. Assim, intelectuais haitianos, senegaleses, antilhanos, criam, em Paris, as revistas “La Légitime Défense” (A Legítima Defesa) e “La Revue du Monde Noir” (A Revista do Mundo Negro), e inicia-se, por Aimée Césaire, Sénghor e Damas, o movimento “Negritude”, que não foi privado de contestações, a começar pelo nome.
O Movimento, criado com o objetivo de revalorizar o negro cultural, política e artisticamente, apesar de dominar a literatura durante décadas, foi acusado de veicular um essencialismo negro, como se o facto de ter a pele negra pudesse deflagar uma identidade comum; além disso, foi tachado de ser excessivamente intelectual e de ter um carácter burguês.
Foi na revista “L’Etudiant Noir” que a palavra “negritude” foi empregada por Césaire pela primeira vez, designando, primordialmente, a rejeição da assimilação cultural e de uma certa imagem do negro pacífico, incapaz de construir uma civilização. Sénghor defendia a ideia de que o termo era empregado visando o conceito em sua aceitação mais geral, englobando todos os movimentos culturais lançados por uma personalização negra ou por um grupo de negros em qualquer lugar do mundo; admitindo a negritude como fato, e assim cultura, bem como aceitação desse fato e sua projeção na história e na civilização negra.
Em 1933, Sénghor criou em Paris, com Birago Diop, a “Association des Etudiants Ouest-Africains” (Associação dos Estudantes da África do Oeste), que teve grande influência na Sorbonne e na “Ecole Normale Supérieure” (Escola Normal Superior), renovando as ideias em gestação durante os quinze anos antecedentes, como a dependência de partidos de esquerda, principalmente do PCF (Parti Communiste Français – Partido Comunista Francês) cuja linha era, claramente, anti-colonialista. A autonomia era, entretanto, difícil por causa do parco número de adeptos, da falta de meios e das divisões teóricas e políticas.
Nunca se teve com precisão o número de imigrantes negros na França, sobretudo nas décadas de 30 e 40, devido ao grande número de clandestinos, mas é interessante notar que, nessa época, todos os imigrantes de origem africana ou antilhesa eram registados como negros, independente da cor da pele.
Pode-se afirmar, entretanto, que o número de estudantes era maior que o número de trabalhadores. Em 1952-53 havia em torno de 4.000 estudantes africanos no país, e em 1960 o número elevou-se a aproximadamente 8.000.
O período desencadeador de movimentos africanos negros foi entre as décadas de 20 e 50, sendo reagrupados em torno de associações, partidos políticos, sindicatos e algumas personalidades como Blaise Diagne ou René Maran, além do apoio essencial das revistas criadas com esse fim.
Após 1945, o contexto era completamente novo, pois muitos africanos tiveram direito à cidadania francesa, provocando o fim do trabalho forçado.
O estudante negro de hoje, apesar de ainda sofrer muita discriminação, é herdeiro de uma luta fervorosa que continua e firma-se cada vez mais, em busca de igualdade, sobre os alicerces erguidos por esses desbravadores da raça, que merecem destaque no mundo inteiro, pela coragem, força e determinação que os moveram durante essa época de árduo combate.
O Negro recusa a assimilação
A situação do negro reclama uma ruptura e não um compromisso. Ela passará pela revolta, compreeendendo que a verdadeira solução dos problemas não consiste em macaquear o branco, mas em lutar para quebrar as barreiras sociais que o impedem de ingressar na categoria dos homens. Assiste-se agora a uma mudança de termos. Abandonada a assimilação, a libertação do negro deve efectuar-se pela reconquista de si e de uma dignidade autónoma. O esforço para alcançar o branco exigia total auto-rejeição; negar o europeu será o prelúdio indispensável à retomada. É preciso desembaraçar-se desta imagem acusatória e destruidora, atacar de frente a opressão, já que é impossível contorná-
-la. Aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele reivindica-se com a paixão, a mesma que o fazia admirar e assimilar o branco. Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e de feiúra como qualquer ser humano "normal". A esse respeito, Amílcar Cabral disse que o problema de voltar às raízes não se coloca para as massas. Elas constituem a única entidade realmente capaz de criar e preservar a cultura, de fazer a história. É preciso então, dentro da África, fazer uma distinção entre a situação dos grupos que se preservaram daqueles que, em maior ou menor grau, alienaram-se. Nesse sentido, o movimento da negritude, enquanto volta às origens, não se interessa directamente pelo povo. Acredita-se ter explicado e mostrado suficientemente as condições, as circunstâncias e os factores históricos nos quais nascem a negritude e seu predecessor, o pan-africanismo, ambas expressões pertinentes da volta às origens, fundamentadas principalmente no posturado da identidade cultural de todos os africanos negros. Curiosamente, foram concebidos em espaços fora da África negra.
Fonte: http://www.jornaldeangola.com/artigo.php?ID=82407&Seccao=cultura
A ignorância em relação à história antiga dos negros, as diferenças culturais, os preconceitos étnicos entre as duas raças que se confrontam pela primeira vez, tudo isso mais as necessidades económicas de exploração predispuseram o espírito do europeu a desfigurar completamente a personalidade moral do negro e suas aptidões intelectuais. Negro torna--se, então, sinónimo de ser primitivo, inferior, dotado de uma mentalidade pré-lógica. E, como o ser humano toma sempre o cuidado de justificar a sua conduta, a condição social do negro dos seus pretendidos caracteres menores. No máximo, foram reconhecidos nele os dons artísticos ligados à sua sensibilidade de animal superior. Tal clima de alienação atingirá profundamente o negro, em particular o instruído, que tem assim a ocasião de perceber a ideia que o mundo ocidental fazia dele e do seu povo. Na sequência, perde a confiança em suas possibilidades e nas da sua raça, e assume os preconceitos criados contra ele. É nesse contexto que nasce a negritude.
A compreensão das circunstâncias históricas em que surgiu a negritude, obriga, como já foi enfatizado, a considerar rapidamente a situação colonial nas suas características e legitimações discursivas.
Como todo movimento reivindicador, o chamado “Negritude” foi marcado por uma literatura que, muito mais do que um movimento literário, foi um acto político, uma afirmação de independência, um clamor por reconhecimento.
Em 1934, o senegalês Léopold Sedar Sénghor, o poeta da Martinica, Aimée Césaire, juntamente com Damas, Sainville e Maugée, fundaram a revista “L’Etudiant Noir” (O Estudante Negro), cuja função foi resumida pelo guiano Damas como jornal corporativo e de combate, que tinha por objetivo o fim da tribalização, do sistema clânico em vigor no Quartier Latin! A proposta era que deixassem de ser estudantes martiniqueses, guadalupenses, guianos, africanos, malgaches, para que fossem um só e mesmo “estudante negro”.
Nessa época o objetivo era a união para combater a discriminação, dando-se ênfase à reflexão sobre a condição do negro e sua relação com o colonizador. Assim, intelectuais haitianos, senegaleses, antilhanos, criam, em Paris, as revistas “La Légitime Défense” (A Legítima Defesa) e “La Revue du Monde Noir” (A Revista do Mundo Negro), e inicia-se, por Aimée Césaire, Sénghor e Damas, o movimento “Negritude”, que não foi privado de contestações, a começar pelo nome.
O Movimento, criado com o objetivo de revalorizar o negro cultural, política e artisticamente, apesar de dominar a literatura durante décadas, foi acusado de veicular um essencialismo negro, como se o facto de ter a pele negra pudesse deflagar uma identidade comum; além disso, foi tachado de ser excessivamente intelectual e de ter um carácter burguês.
Foi na revista “L’Etudiant Noir” que a palavra “negritude” foi empregada por Césaire pela primeira vez, designando, primordialmente, a rejeição da assimilação cultural e de uma certa imagem do negro pacífico, incapaz de construir uma civilização. Sénghor defendia a ideia de que o termo era empregado visando o conceito em sua aceitação mais geral, englobando todos os movimentos culturais lançados por uma personalização negra ou por um grupo de negros em qualquer lugar do mundo; admitindo a negritude como fato, e assim cultura, bem como aceitação desse fato e sua projeção na história e na civilização negra.
Em 1933, Sénghor criou em Paris, com Birago Diop, a “Association des Etudiants Ouest-Africains” (Associação dos Estudantes da África do Oeste), que teve grande influência na Sorbonne e na “Ecole Normale Supérieure” (Escola Normal Superior), renovando as ideias em gestação durante os quinze anos antecedentes, como a dependência de partidos de esquerda, principalmente do PCF (Parti Communiste Français – Partido Comunista Francês) cuja linha era, claramente, anti-colonialista. A autonomia era, entretanto, difícil por causa do parco número de adeptos, da falta de meios e das divisões teóricas e políticas.
Nunca se teve com precisão o número de imigrantes negros na França, sobretudo nas décadas de 30 e 40, devido ao grande número de clandestinos, mas é interessante notar que, nessa época, todos os imigrantes de origem africana ou antilhesa eram registados como negros, independente da cor da pele.
Pode-se afirmar, entretanto, que o número de estudantes era maior que o número de trabalhadores. Em 1952-53 havia em torno de 4.000 estudantes africanos no país, e em 1960 o número elevou-se a aproximadamente 8.000.
O período desencadeador de movimentos africanos negros foi entre as décadas de 20 e 50, sendo reagrupados em torno de associações, partidos políticos, sindicatos e algumas personalidades como Blaise Diagne ou René Maran, além do apoio essencial das revistas criadas com esse fim.
Após 1945, o contexto era completamente novo, pois muitos africanos tiveram direito à cidadania francesa, provocando o fim do trabalho forçado.
O estudante negro de hoje, apesar de ainda sofrer muita discriminação, é herdeiro de uma luta fervorosa que continua e firma-se cada vez mais, em busca de igualdade, sobre os alicerces erguidos por esses desbravadores da raça, que merecem destaque no mundo inteiro, pela coragem, força e determinação que os moveram durante essa época de árduo combate.
O Negro recusa a assimilação
A situação do negro reclama uma ruptura e não um compromisso. Ela passará pela revolta, compreeendendo que a verdadeira solução dos problemas não consiste em macaquear o branco, mas em lutar para quebrar as barreiras sociais que o impedem de ingressar na categoria dos homens. Assiste-se agora a uma mudança de termos. Abandonada a assimilação, a libertação do negro deve efectuar-se pela reconquista de si e de uma dignidade autónoma. O esforço para alcançar o branco exigia total auto-rejeição; negar o europeu será o prelúdio indispensável à retomada. É preciso desembaraçar-se desta imagem acusatória e destruidora, atacar de frente a opressão, já que é impossível contorná-
-la. Aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele reivindica-se com a paixão, a mesma que o fazia admirar e assimilar o branco. Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e de feiúra como qualquer ser humano "normal". A esse respeito, Amílcar Cabral disse que o problema de voltar às raízes não se coloca para as massas. Elas constituem a única entidade realmente capaz de criar e preservar a cultura, de fazer a história. É preciso então, dentro da África, fazer uma distinção entre a situação dos grupos que se preservaram daqueles que, em maior ou menor grau, alienaram-se. Nesse sentido, o movimento da negritude, enquanto volta às origens, não se interessa directamente pelo povo. Acredita-se ter explicado e mostrado suficientemente as condições, as circunstâncias e os factores históricos nos quais nascem a negritude e seu predecessor, o pan-africanismo, ambas expressões pertinentes da volta às origens, fundamentadas principalmente no posturado da identidade cultural de todos os africanos negros. Curiosamente, foram concebidos em espaços fora da África negra.
Fonte: http://www.jornaldeangola.com/artigo.php?ID=82407&Seccao=cultura
Somente para constar: este artigo, de minha autoria, foi publicado, primeiramente, na Revista Espaço Acadêmico:
ResponderExcluirhttp://www.espacoacademico.com.br/040/40damasio.htm
Arquivo de todos os meus artigos: http://www.espacoacademico.com.br/arquivo/damasio.htm
Agradeço o interesse!
Celuy Roberta Hundzinski