A Tarde - Municípios
Publicada: 30/09/2009 | Atualizada: 30/09/2009
A Bahia do presente é o estado brasileiro que sofreu maior influência da escravidão do passado. A presença do escravo africano condicionou modos de vida, influenciou a música, enriqueceu a culinária e ajudou a moldar uma cultura própria - à base de lutas e conquistas.
Mas a prática do trabalho forçado, abolida em lei há 121 anos, ainda não é página virada nos capítulos de História: de acordo com dados atualizados da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, somente este ano 193 trabalhadores foram resgatados na Bahia em decorrência de três operações realizadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do ministério. O número já supera em 90 os resgates realizados durante todo o ano anterior.
Desde 2003, auditores fiscais do MTE, por meio da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na Bahia (SRTE-BA), já fiscalizaram 63 pontos no estado. Na semana passada, uma ação fiscal numa fazenda de algodão no município de Sebastião Laranjeiras, sudoeste da Bahia, revelou nova irregularidade: 70 adultos, além de uma criança e um adolescente, viviam em condições análogas a de escravos. A operação, iniciada em 4 de setembro, constatou salários e cargas de trabalho abusivos: para arrecadar R$12 por dia de serviço, estas pessoas – descalças e sem direito a água potável, instalações sanitárias ou abrigos – trabalhavam cerca de dez horas diárias na colheita.
Não se trata de uma ocorrência atípica. No final de agosto, a SRTE-BA havia localizado 30 pessoas em condições semelhantes vivendo numa fazenda da zona rural de Jaborandi, no oeste do estado. A região lidera o número de ocorrências por ter sido a última fronteira agrícola aberta na Bahia, com a expansão das lavouras e a derrubada das matas.
O caso, que pode levar os donos da terra a responder por exploração de mão-de-obra escrava, foi encaminhado ao Ministério Público Federal – e deverá engrossar as cifras de pagamento de indenização, que, este ano, já geraram R$ 24.201,31 no estado em decorrência de 60 autos de infração, segundo informou a assessoria de comunicação do MTE.
Para impedir fugas, as correntes de ferro do passado foram substituídas por métodos não menos antiquados e brutais. Aliado ao uso da violência, um sistema de endividamento ajuda a manter os trabalhadores presos à terra. É um caminho sem volta. Residentes em sua maioria de zonas urbanas pobres, essas pessoas são aliciadas por empreiteiros, os chamados "gatos", na promessa de uma vida melhor no campo. Longe da cidade e da família, elas descobrem, já na mata, que devem uma alta quantia por transporte e alimentação. Como recebem pouco dinheiro, nunca conseguem quitar a dívida e sair da propriedade.
"A técnica pode ser diferente, mas o objetivo deles é sempre o mesmo. Eles tiram a tua liberdade e te exploram até o limite das forças", diz um ex-trabalhador de Goiás libertado no oeste baiano. À época, ele e mais vinte pessoas receberam a guia de seguro desemprego como benefício.
Oeste baiano maior número de denúncias
No controle de 14 agências e 7 gerências no estado, a Superintendente Regional do Trabalho e Emprego na Bahia, Norma Pereira, atribui prioridade máxima à fiscalização. "Assim que recebemos alguma informação, auditores fiscais, junto à polícia federal, são imediatamente encaminhados ao local", afirma ela. Na maioria dos casos, a ilegalidade é descoberta por meio de grupos móveis do ministério ou de trabalhadores que procuraram o órgão.
Segundo a superintendente, o maior número de casos está ligado ao setor agropecuário no oeste baiano. "São pessoas que recebem menos de um salário mínimo. A alimentação costuma ser vendida e descontada no pagamento", detalha. Após o resgate, a Superintendência autua a empresa e garante, com cálculo de rescisão trabalhista, o direito a três parcelas de seguro-desemprego. "Na última operação, os trabalhadores libertados choraram, emocionados", relata Norma. Na semana passada, um relatório do Departamento do Trabalho dos EUA revelou que o Brasil está entre os seis países do mundo com maior índice de trabalho infantil e escravo. O levantamento norte-americano aponta 13 setores da economia brasileira com este tipo de mão-de-obra, como em culturas de cana-de-açúcar e algodão, na indústria ilegal de carvão ou mesmo na criação de gado.
Procurada pela Tribuna da Bahia, o Ministério do Trabalho e Emprego, em Brasília, informou por meio de sua assessoria de imprensa que não emitirá qualquer posicionamento sobre relatórios internacionais, uma vez que o assunto diz respeito ao Itamaraty.
Publicada: 30/09/2009 | Atualizada: 30/09/2009
Sylvio Quadros
A Bahia do presente é o estado brasileiro que sofreu maior influência da escravidão do passado. A presença do escravo africano condicionou modos de vida, influenciou a música, enriqueceu a culinária e ajudou a moldar uma cultura própria - à base de lutas e conquistas.
Mas a prática do trabalho forçado, abolida em lei há 121 anos, ainda não é página virada nos capítulos de História: de acordo com dados atualizados da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, somente este ano 193 trabalhadores foram resgatados na Bahia em decorrência de três operações realizadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do ministério. O número já supera em 90 os resgates realizados durante todo o ano anterior.
Desde 2003, auditores fiscais do MTE, por meio da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na Bahia (SRTE-BA), já fiscalizaram 63 pontos no estado. Na semana passada, uma ação fiscal numa fazenda de algodão no município de Sebastião Laranjeiras, sudoeste da Bahia, revelou nova irregularidade: 70 adultos, além de uma criança e um adolescente, viviam em condições análogas a de escravos. A operação, iniciada em 4 de setembro, constatou salários e cargas de trabalho abusivos: para arrecadar R$12 por dia de serviço, estas pessoas – descalças e sem direito a água potável, instalações sanitárias ou abrigos – trabalhavam cerca de dez horas diárias na colheita.
Não se trata de uma ocorrência atípica. No final de agosto, a SRTE-BA havia localizado 30 pessoas em condições semelhantes vivendo numa fazenda da zona rural de Jaborandi, no oeste do estado. A região lidera o número de ocorrências por ter sido a última fronteira agrícola aberta na Bahia, com a expansão das lavouras e a derrubada das matas.
O caso, que pode levar os donos da terra a responder por exploração de mão-de-obra escrava, foi encaminhado ao Ministério Público Federal – e deverá engrossar as cifras de pagamento de indenização, que, este ano, já geraram R$ 24.201,31 no estado em decorrência de 60 autos de infração, segundo informou a assessoria de comunicação do MTE.
Para impedir fugas, as correntes de ferro do passado foram substituídas por métodos não menos antiquados e brutais. Aliado ao uso da violência, um sistema de endividamento ajuda a manter os trabalhadores presos à terra. É um caminho sem volta. Residentes em sua maioria de zonas urbanas pobres, essas pessoas são aliciadas por empreiteiros, os chamados "gatos", na promessa de uma vida melhor no campo. Longe da cidade e da família, elas descobrem, já na mata, que devem uma alta quantia por transporte e alimentação. Como recebem pouco dinheiro, nunca conseguem quitar a dívida e sair da propriedade.
"A técnica pode ser diferente, mas o objetivo deles é sempre o mesmo. Eles tiram a tua liberdade e te exploram até o limite das forças", diz um ex-trabalhador de Goiás libertado no oeste baiano. À época, ele e mais vinte pessoas receberam a guia de seguro desemprego como benefício.
Oeste baiano maior número de denúncias
No controle de 14 agências e 7 gerências no estado, a Superintendente Regional do Trabalho e Emprego na Bahia, Norma Pereira, atribui prioridade máxima à fiscalização. "Assim que recebemos alguma informação, auditores fiscais, junto à polícia federal, são imediatamente encaminhados ao local", afirma ela. Na maioria dos casos, a ilegalidade é descoberta por meio de grupos móveis do ministério ou de trabalhadores que procuraram o órgão.
Segundo a superintendente, o maior número de casos está ligado ao setor agropecuário no oeste baiano. "São pessoas que recebem menos de um salário mínimo. A alimentação costuma ser vendida e descontada no pagamento", detalha. Após o resgate, a Superintendência autua a empresa e garante, com cálculo de rescisão trabalhista, o direito a três parcelas de seguro-desemprego. "Na última operação, os trabalhadores libertados choraram, emocionados", relata Norma. Na semana passada, um relatório do Departamento do Trabalho dos EUA revelou que o Brasil está entre os seis países do mundo com maior índice de trabalho infantil e escravo. O levantamento norte-americano aponta 13 setores da economia brasileira com este tipo de mão-de-obra, como em culturas de cana-de-açúcar e algodão, na indústria ilegal de carvão ou mesmo na criação de gado.
Procurada pela Tribuna da Bahia, o Ministério do Trabalho e Emprego, em Brasília, informou por meio de sua assessoria de imprensa que não emitirá qualquer posicionamento sobre relatórios internacionais, uma vez que o assunto diz respeito ao Itamaraty.
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