Salvador, 10 de junho de 2009.
“Nós somos diferença...nossas identidades
são as diferenças das máscaras.
(Foucault 1972,p.131)”
Crônica da abordagem policial na Trezena do Santo Antonio Além do Carmo
Nildes Sena
Arte-educadora, artista plástica e arte terapeuta, líder comunitária, e vivo capoeira angola.
Precisa-se rever o desdobramento da celebração de festa religiosa tradicional que é a Trezena de Santo Antonio Além do Carmo, pois o considerado lado profano desta manifestação cultural local que acontece no Largo do Santo Antonio Além do Carmo, tem se tornado palco para as diversas formas de violência, tanto a simbólica, quanto a física. Mas o constrangedor deste fato é que grande parte desta violência é cometida pelos membros da policia Militar da Bahia, que vem Cometendo diversas formas de violência contra os moradores da Comunidade local, em especial os moradores da Chácara Santo Antonio(discrimando por ser local de Ocupação residencial). Policiais que abordam com violência e até batem, indo mesmo ate a casa das pessoas e as desrespeitando por completo. Sem falar que os comerciantes ambulantes, jogam lixos e detritos na entrada da comunidade citada, e este ano nem sanitário químico tem. Deste modo os freqüentadores da festa usam como sanitário e também como Motel a entrada da citada comunidade, submetendo toda a população a situações de constrangimento. A policia deveria evitar esta situação, mas por ser preconceituosa e racista, termina por reforçá-la com sua prática.
Na noite de terça feira, nove de junho de 2009 (09/06/2009), por volta das 23:40, quando eu, Ivanildes Teixeira de Sena(Nildes Sena), vinha saindo da comunidade da Chácara Santo Antonio, local onde tenho residência, fui violentamente abordada por policiais militares. Me senti bastante ameaçada. Eram três homens e uma mulher que se dizia sargento, e por tanto com direito de me abordar daquela forma. Quando sai no portão de acesso a comunidade, joguei o lixo no local apropriado e continuei andando na direção da igreja católica, quando percebi um movimento estranho de quatro policiais correndo em minha direção, eu fiquei extremamente assustada porque eles avançaram contra mim e tentavam pegar meus pertences, eu perguntava o que esta acontecendo e tentava mim proteger deles. Perguntei insistente o que estava acontecendo, pois enquanto caminhava um deles chegou mais perto e tentou puxar a mochila das minhas costas então todos avançaram contra mim, eu recuei e perguntei mais uma vez. A policial veio tentando me puxar, afastei, ela ordenou que colocasse as mãos no muro inclinado do Forte Santo Antonio, onde pratico Capoeira Angola e faço parte do grupo do Mestre João Pequeno de Pastinha, o segurança que me conhece ficou olhando lá de cima, sem ação. Ela disse ainda que ficasse de costas, eu disse que não tinha como por as mão no muro, estava com o celular em uma das mãos, ela ousou pedir que colocasse no chão, eu disse: não vou fazer isso, e o saco plástico com um edredom e uma sobrinha na outra mão. Um dos policiais repetia que eu não tinha motivo para resistir, pois estava sendo aborda por uma policial feminino. Não atendi, pois estava deveras assustada, ela tomou o saco, verificou-o deixando cair no chão a sombrinha, a essa altura a mochila permanecia em minhas costas, acho que permanecia nas costas. Ela tentou desnecessariamente afastar meus pés, eu resisti e um dos policias tentou torcer meu braço para trás, eu o puxei e eu perguntei para ela, “o que isso que sou colega está fazendo?” Então ele parou. Como eu não parava de falar da violência que estava sofrendo, ela ficou irritada e enquanto fazia o “baculejo”, puxou bastante o meu cabelo, comecei a chorar de raiva, mais o constrangimento era tamanho e vontade de explodir, que eu retomei o controle choro e continuei a discutir com todos eles.
Ela tentava me convencer que era normal fazer aquela abordagem e eu disse que desde de quando se dissesse o motivo da abordagem e a mesma não fosse agressiva. Pois eu conheço muito bem as leis e meus direitos. Ela então começou a dizer que eu estava sendo abordada para a minha própria segurança. Então eu disse para ela que informação dever ser enquanto ou antes da abordagem ,legalmente falando. Eu a encarei muito, assim como um policial negro que permanecia ao lado dela. Isso os deixou bastante irritados, ela afirmou que eu não conhecia o código penal brasileiro, e que segundo o código, o direito individual estava sendo cercado pelo bem do coletivo, que eu estava desrespeitando-a como autoridade e que mim levaria para o módulo policial, eu neguei a afirmação dela, disse que conhecia o código penal sim e pedi que então mim levasse na mesma hora para o módulo, eles desconversaram. Ela já mais calma e eu mais racional, porém muito indignada com a situação, insisti que não fazia sentido ser desrespeitada daquela forma, perguntei se queriam ver meus documentos e ela começou a verificar minha mochila e perguntou se tinha algo perfuro cortante, simplesmente olhei para ela e perguntei, com ênfase ”o que?”. Ela fez um gesto infantil de olhar para cima com descaso.
O estúpido policial perguntou, Porque você está tremendo? Respondi bem perto do rosto dele. Porque sou uma Cidadã e tão profissional quanto o senhor, o senhor quer ser abordado desta forma?, ele insistia; a senhora esta dificultando...
Eu - Dificultando? Estou sendo desrespeitada, violentada, eu moro aqui... Querem ver meus documentos ? comprovante de residência?. Nem reposta eles davam, pareciam surdos.
Diante de tantos questionamentos e resistência, a policial tentava se justificar, e eu disse que isto não é humano e continuei falando da violência deles. O embate comigo e eles foi muito seguro e demorado, acredito que eles começaram a ficar com receio de mim machucar, pois nem sei como não mim machucaram fisicamente, porque psicologicamente e simbolicamente eles mim feriram muito. A certa altura começou a não fazer sentido a agressividade toda deles em relação a mim porque respondi sempre da mesma forma como falavam comigo. Quando ela abiu minha mochila tirou as roupas (duas blusas) de forma a expo - las o máximo possível, para agredir pareceu-me, eu a ignorei e ela chamou minha atenção que eu deveria acompanhar a verificação da bolsa, que diga-se de passagem, foi feita da maneira mais estúpida possível. Fiquei tentada a sugerir que ela lesse o livro que estava na mochila que é “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil, identidade brasileira versus identidade negra, organizado por Kabengele Munanga.” e minha agenda da UNEGRO, é impressionante o quanto ela ficou desapontada e começou a mudar de atitude , pois na agenda da UNEGRO estava bem visível a palavra “NEGRO”, Eu disse que aquela atitude deles era absurda, ela disse que eu era suspeita e sai de um lugar suspeito. Eu não resisti e perguntei, “todo negro é suspeito então?”, ela disse que eu a estava acusando-a de racismo, que ela é mestiça que a vó dela é negra e falou lá outros parentescos, que poderia me processar por calunia, eu neguei e mostrei que estava sendo constrangida, calunia não seria, pois, a situação mostrava isso. Isto porque ela se acredita branca, muito embora eu via na minha frente uma não branca. E quase começamos a discutir outra vez.
Retomei a palavra com ênfase e disse, não estou dificultando nada, apenas sei que esta não é esta a forma correta de abordagem. Ela passou a mão na arma, não sei com que propósito, deu as costas e foi em busca de mais uma vitima, antes mesmo que eu me refizesse arrumasse a mochila e saísse andando eu os vi correndo literalmente correndo atrás de um homem negro que andou em direção a entrada da Comunidade em pauta.
Entrei em estado de choque, chorei durante mais de uma hora sem parar, não conseguia se quer ligar para familiares ou amigos. Liguei o computador e comecei a relatar esta fato. E confesso que ate agora não sei como eles não me mataram, pois reagi a cada gesto ou palavra deles, e sei que ainda corro risco de ,morte ou de nova abordagem por provocação.
Isto retrata exatamente o que podemos considerar como desconstrução de identidade, propondo de forma nem tão tanto subjetiva, de que todo negro é marginal e ignorante. Esse “Preconceito racial de Marca”, como define Oracy Nogueira, está estabelecido e nacionalmente institucionalizado, logo aqueles policiais estão respaldados para agirem de tal maneira. O que mais me chocou nesta abordagem é a forma da violência simbólica aliada a física, uma construção social muito estruturada do negro marginal, bandido. A um poder de convencimento institucionalizado, preparado para convencer os negros e negras de que somos inferiores. Causa perplexidade pensar o quanto é naturalizada esta ação de violentar pessoas, seres humanos.
Segundo comentários de Roberto Cardoso de Oliveira em (Des)Caminhos da Identidade, temos o que se pode denominar de caráter, entendido como” o resultado da acumulação histórica”, como uma “variável abstrata” de conteúdo psicológico, põem central na construção simbólica da cidadania.
Salvador, 10 de junho de 2009
Entendo o constrangimento da pessoa que escreveu esse longo "desabafo", mas em muitas linhas do texto se nota uma certa pré-disposição a se achar discriminada.
ResponderExcluirAcho que discriminação começa no momento em que vc pensa que vai ser ou está sendo discriminado. Aí qualquer coisa que dizem é motivo para se achar ofendido e até a resistir a uma abordagem policial (o q não é boa idéia - creio eu).
Nos anos 90 participei do "movimento negro unificado" e numa bela tarde, no mesmo Largo Santo Antonio, pensei:
"Peraí, essa coisa tá errada. Imagine só se os brancos criassem o *movimento branco unificado* e saissem por aí distribuindo panfletos sobre o movimento? Entreguei minha carteirinha e terminei de ler o livro "as veias abertas da america latina", na mesma tarde.
Puxa, anônimo, se discriminação fosse apenas fruto de percepção individual os judeus teriam ficado loucos, não teriam sido assassinados em campos de concentração. Nao se trata apenas de pensar que está sendo discriminado, mas de ter a discriminação materializada num ato concreto que humilha, ultraja, tira a vida de outras pessoas.
ResponderExcluirOs brancos não precisam de movimento porque detêm privilégios e contam com negros que asseguram a manutenção deles através de pensamentos como o que você expressa nesta mensagem. Como diria Biko, a maior arma do opressor é a mente do oprimido...